terça-feira, 27 de outubro de 2015

Mesmo que a gente volte, a gente não volta

   Leia e ouça: Comes and Goes

   Mesmo que caia aquele temporal mais uma vez, e você me empreste o guarda-chuva amarelo. Ainda que eu sorria de volta pra agradecer, e te olhe por sobre o ombro quando você virar de costas. Mesmo você me trazendo café sem açúcar no dia seguinte, com um sorriso desenhado num post-it só pra me deixar feliz e puxar conversa.
   Nem que você me mande uma mensagem no fim do dia, querendo saber se cheguei bem. Mesmo você me encarando por horas do outro lado do escritório e me deixando sem graça quando nosso chefe passa. Ainda que eu ceda e beba um ou dois drinques contigo na sexta, que voltássemos ao cinema, e acabássemos na cama como a primeira vez.
    E mesmo que eu acorde de madrugada assustada te procurando pelo quarto escuro, ou ligue meio bêbada, sabendo que vou me arrepender depois. Ainda que eu faça tudo de novo. Mesmo que a gente volte, a gente não volta.
    A gente não volta, não. Nem por mal, nem por falta de amor. Não volta porque ainda não inventaram uma máquina do tempo pra me fazer sentir tudo aquilo outra vez. Não volta porque nem eu nem você somos os mesmos de dez dias atrás, que dirá de um mês.
    Não volta porque a gente já sabe como pode acabar. Não volta porque eu me apaixonei por outro alguém, que  eu nem sei se ainda mora em você, ou já foi mandado embora também. E não vai voltar, porque o tempo não congela, e até o amor muda, não há como se culpar.

quarta-feira, 21 de outubro de 2015

O amor é muito simples, a gente é que complica

   Leia e ouça: I Found

   Não sei muito bem como chegamos até aqui. Não sei ainda se vou te encontrar no ponto de ônibus, na escada rolante, na faculdade, ou sei lá mais onde o cupido inventar de cruzar nossos caminhos. Eu não sei seu nome, não sei seu telefone, não sei seus gostos, não sei de nada. Aí está toda a graça.
   É impossível saber se vamos ter uma casa com flores na janela, dois filhos correndo na varanda, um labrador latindo no jardim. Difícil prever se vamos chegar em casa depois de uma noitada e brigar porque você achou um pouco demais os olhares daquele fulano do bar, se vamos fazer as pazes com um beijo na testa, ou arrumaremos as malas pra seguir em frente...
  Talvez a graça do amor esteja mesmo na falta de previsão. Essa história de saber se vai chover a tarde, nos deixa ansiosos pra chegar em casa sem se molhar.A beleza do amor está em ser pego desprevenido. Assim de supetão, e ficar sem jeito com um sorriso retribuído do outro lado do balcão.
  Difícil dizer se vou me apaixonar por você no primeiro beijo, ou nos terceiros que virão. Mas eu posso te assegurar que cada beijo será único, singular ainda que venha seguido de outros mil pela manhã, fazendo manha pra ir trabalhar. Não posso prometer que serei tudo o que você sonhou, é meio injusto cobrar dos outros aquilo que eles nem sabem que se espera. É maldade desejar que seja igual quando todo amor é diferente.
   O amor está em cada particularidade, essa é a verdade. É impossível esperar aquilo que o outro não pode dar. Tentemos então não nos frustrarmos com as expectativas quebradas, ok? Acontece. E se tiver que ser, vamos superar isso também.
   Eu não sei quando você vem, nem de onde, nem exatamente pra quê. Sei que se for pra ser desta vez, você vai atirar todas as minhas certezas pela janela pra me mostrar que a sutileza do amor está em não saber qual será o próximo passo.

  E se juntos caminharmos até poder ser chamado de amor, que sejamos capazes de entender uma coisa: o amor é muito simples, a gente é que complica.

quarta-feira, 14 de outubro de 2015

Guarde um pouquinho da minha emoção

   Leia e ouça: I'm a mess

   No outono passado, escutei de alguém algo que fez meu coração se partir em pequenos pedacinhos, meus lábios tremerem, e a angústia escorrer pelo rosto até tocar o peito, e ali morrer. Ouvi sem meias palavras “ A gente não vai dar certo, você vive depressa...”
   Apressada, depressa, pressa, presa. Por uma primavera inteira, foi exatamente assim que fiquei. Presa, acorrentada à um amor que lá atrás já havia nascido fadado, e não tínhamos percebido. Vivendo um passado que há muito já havia morrido.
   Não me envergonho, nem me vanglorio em dizer que passei noites em claro, com o travesseiro encharcado tentando entender o que é que tinha dado errado desta vez. Procurei as falhas mais bobas, talvez no  primeiro beijo desencontrado no metrô, nos apelidos bobinhos que criamos um pro outro, na minha mania de entregar tudo, de mergulhar sem antes testar se dá pé...
   Com você não foi diferente. Me entreguei até o último fiozinho de cabelo – aquele branco que você encontrou durante a tarde na praça, lembra? – dei tudo de mim, e qual o mal disso, meu bem? Amar é isso, não é? Amor é oceano, e talvez eu seja o diamante azul da Rose, que se perdeu em seu infinito. Amor é um cometa, e viaja rápido pelo céu, atingindo nosso peito, sem freio.
    Amor é a Disneylândia, cheio de diversão, memórias e brindado com o misto de perigo e emoção das montanhas-russas. E foi amor com você. Foi sim. Foi amor quando eu disse que queria ficar mais cinco minutos. Foi amor quando você me pediu pra morar no seu abraço, foi só amor quando nós dois morrendo de medo resolvemos pegar aquele trem pra tentar mais uma vez, com um novo alguém.
    Mas foi amor quando nós dois, certos de que era bom demais pra ser verdade perdemos a mão. E nos perdemos da graça. E quando o amor perde a graça, não tem mais jeito. É cada um seguindo pra um lado, quando antes davam os braços na mesma direção. Quando o amor perde a graça, não há sujeito que se salve. Não há mais coração pra ancorar.

   E sobre a gente não dar certo. Você tinha razão. Aliás, isso você tem de sobra. Só espero ter guardado um pouquinho de toda a minha emoção.

quinta-feira, 8 de outubro de 2015

Tudo novo, de novo

  Leia e ouça: Let it go

  Você dizia sem parar que na vida tudo muda de lugar. É um vai e vém de ruas, esquinas, gente... Entre olhares e sorrisos, tudo novo de novo. Era tudo novo com você por aqui, o par de olhos no espelho, os cabelos espalhados no travesseiro, e mais uma xícara na mesa do café. As mãos dadas nas alamedas, as flores coloridas nos canteiros, canções que soavam pelos cantos da cidade por onde a gente passeava sem se preocupar.
   Odeio admitir que você estava certo. Tudo muda de lugar. Inclusive você,  e nós dois. A casa amarela, ainda estática na mesma avenida, por dentro anda meio vazia. O cheiro do perfume, o violão no cantinho da porta, a camisa jogada na cama, tudo fora do lugar. Tudo num outro lugar, tão longe daqui. Sentada na sua poltrona preferida, olho as nuvens caminhando pelo céu... Percebo que sou uma delas agora.
   Sou como a nuvem, que tem cara de algodão e sabor azul. Sou como a nuvem que paira, meio vazia meio cheia e ameaça chover. Sou a gota de chuva que cai, e chora a saudade de quem um dia foi par. Sou o vapor d’água que volta pro céu, na nova tentativa de nascer de novo. Sou eterno recomeço desde o dia que você se foi. Sou as notas daquela música, que tocou no rádio, arranjadas numa nova melodia pra tentar te esquecer. Sou um barco seguindo outro rumo pra me encontrar no próximo porto.
   Recomeçar, é muito mais do que começar de novo. É se permitir, e só a gente sabe a dor a delícia de cada vírgula rabiscada onde um dia esteve um ponto final. A vida é sim uma eternidade de recomeços como um dia você me falou,  eu só não esperava que fôssemos mais um.

   As nuvens ficam pesadas, o céu escurece e vejo a natureza renascer diante dos meus olhos, com as gotas molhando o vidro onde antes refletiam dois. O reflexo desta vez é singular, mas não sozinha. Estou aqui, sentada vendo a chuva cair, de mãos dadas a  todas as oportunidades dessa viagem que me permiti, pra me perder do passado e me encontrar com o presente. O presente que a vida me deu.

*Este texto faz parte de uma postagem coletiva dos Escritores da Era do Compartilhamento com o tema "Recomeço''. Abaixo, textos relacionados, dos outros participantes do projeto:

Quando a gente recomeça. - Sâmela Faria
Recomeçar: Existe vida além do término. - Valter Junior
Outros dias virão, sempre. - Juliane Rodrigues
Eu não sou sua vítima. -  Leca Lichacovski