quinta-feira, 28 de maio de 2015

O homem dos sonhos

   Leia e ouça: Without a word

   Essa noite sonhei com você. Clichê, eu sei – este é só mais um deles, afinal sou cheia, sou só, sou eles todos em carne e osso – mas sonhei algo diferente dos outros sonhos, das outras 365 noites que tenho sonhado e acordado, e ainda permanecido contigo. E por mais que fosse um sonho, deveria ser real. De olhos abertos, eu não tenho a mesma coragem.
   Coragem de dizer que eu ainda te amo, mas todos os dias eu tento me amar mais. Eu tenho tentado te arrancar do primeiro lugar do pódio, te tirar do primeiro lugar da minha vida...Coragem pra dizer que você continua sendo a melhor coisa que me aconteceu, mas que eu tenho sido a pior desde então. Eu queria te contar, com meus olhos bem abertos e focados nos seus, que eu minto quando você me pergunta como eu me sinto. Eu minto porque eu mesma me cansei dessas verdades. Eu minto porque sei que as minhas verdades não são o suficiente pra nós dois.
   Em sonho, eu te digo o que há muito tempo tenho ensaiado em frente ao espelho. Em sonho eu consigo, resisto, e me afasto da tentação do seu sorriso que me arrasta pra dentro de você, e das ilusões criadas por mim. Eu te digo tudo que até hoje eu tentava negar, mentindo pra mim mesma fingindo ser feliz assim, com nossas migalhas, nossos restos, o pouco ou nada que sobrou de nós.
   Te conto algo que me mata aos poucos, e que eu mesma inventei, mas não consegui mais controlar. A verdade é que o que nós temos é lindo, mas efêmero. E eu não sei viver de coisas instantâneas, desculpe-me se te disse que aprenderia. Desculpe-me se eu te disse que seria bom, eu sei que não é. Eu sei que eu sou um “pé no saco”, e não te culpo por fugir de mim, eu também fugiria.
   Me mata quando você me escapa, quando percebo que te tenho tão pouco e isso não precisa ser o suficiente. Não precisa ser desse jeito, ninguém merece metades, nós nascemos pra ser inteiros. Mas você não é assim, você não tem essa necessidade. E nós temos todas essas diferenças, foram elas que em sonho eu enxerguei. Sonhei com você, e pela primeira vez te reconheci. Tão lindo, tão distante, e efetivamente impossível.

sexta-feira, 22 de maio de 2015

Entre nós dois

Leia e ouça: She

  Não precisa me ouvir dizer pra saber a verdade. Não é preciso que eu grite aos sete ventos o que eu estou sentindo pro mundo inteiro perceber. Eu ignoro, fujo, jogo o cabelo pro lado e solto um meio sorriso. Eu finjo pra mim mesma que tudo vai ficar bem, e fica, até você voltar. E volta com toda a sua graça, com todo o seu jeitinho de “provoco e nego”. Volta e me faz esquecer a raiva, e as promessas que me fiz pra te esquecer.

  Volta e me faz esquecer de todos os “nãos” que eu disse que responderia quando você me chamasse pra sair, e respondo sim. Volta, e me deixa atordoada com todas as dúvidas que vem de mãos dadas contigo. Volta, e me traz de volta as noites mal dormidas revivendo nossas histórias tão mal acabadas. Volta e ao mesmo tempo que me revolta, me fascina.

  Entre nós dois não há meios termos. Ou sou tudo, ou sou nada. E por favor, não escolha nada. Entre nós ainda existe aquela mistura de curiosidade e devoção. Entre nós dois não há arrependimento, pois não nos demos tempo pra repensar as loucuras. Entre nós persistem erros, mas os acertos ainda me dão bons sonhos à noite. Entre nós dois há um medo sem nome, um desejo sem freio...

  Quando você volta, voltam também os arrepios – de medo e de paixão – voltam as lembranças que jurei nunca esquecer. Voltam as vontades reprimidas, voltam beijos apressados e despedidas infinitas de quem vai e vem, de quem ama, sofre, e sempre espera você voltar.

segunda-feira, 18 de maio de 2015

O medo de enxergar

  Leia e ouça: Cegos do Castelo

Por Andre Vieira

  A visão sempre foi algo muito precioso ao ser humano. É com ela que nós descobrimos as cores e os sorrisos mais bonitos, os grandes campos floridos e a luz prateada do luar, a serra e o mar. É por meio da visão que sentimentos tão quentes e felizes se concretizam em uma mistura de luzes de sombras, claros e escuros, algo tão único e inexplicável.

  No entanto, olhar apenas por uma fresta de luz ou um par de olhos inocentes nunca foi saudável. Encontrar outras formas de olhar a mesma situação ou refletir sobre o visto e vivenciado são, hoje, coisas fundamentais para se entender o que se passa nas ruas e casas, nos apartamentos e palácios. Até onde se estende nossa visão?   
                                            
  A pergunta me vem à mente enquanto sigo minha caminhada, em direção à Paulista, em uma ensolarada tarde de abril. Logo após um almoço mal digerido terminado às pressas, e de uma breve discussão sobre demissão de centenas de jornalistas, o humor não é dos melhores, tampouco bom é o cenário que se podia imaginar da manifestação que acontecia na Avenida.

   Continuo dando alguns passos frente ao meu destino sinuoso e incerto, e logo me vem à angústia: como eles irão me ver e julgar? Será eu o repórter? O dito membro imparcial da sociedade, o apurador de verdades, os olhos de quem não pode ou não consegue ver o que vemos? Ou seria eu o vilão? O motivo daquele ato, o comunista, o vagabundo, o apoiador dos corruptos e espalhador de mentiras? Seus olhos serão revestidos por lentes cor-de-rosa ou por óculos escuros Rayban? Veriam com os próprios olhos, atentos a todos os detalhes e minucias ali presenciadas, ou teriam uma visão cerrada e bem delimitada segundo os grandes meios de comunicação e de seus amigos e familiares? Eis a questão. 
                     
  Chego à Avenida e deparo-me com uma grande disparidade entre o que vejo e o que foi noticiado pela televisão antes de minha partida ao ato. Vejo cartazes cheios de discursos de ódio contra grupos sociais e raciais mais desfavorecidos historicamente, odes à volta dos militares, odes ao xenofobismo e ao deboche público de pessoas que, muitas vezes, desnecessário e infundado.

  Meu desespero é grande. O medo é avassalador, um golpe certeiro entre as costelas, daqueles que o juiz já dá como encerada a luta e aponta o ganhador do campeonato mundial, fico sem ar- vou à lona. Tenho medo. Medo de enxergar o que vejo. Medo de isso se torne perpetuo.  Mas qual o sentido daquilo tudo? Nascemos para sermos fies máquinas de reprodução de informação? Seriamos não uma engrenagem torta, velha e rota das máquinas das grandes mídias produtoras de conteúdo? Teríamos alguma voz ou qualquer tipo de representação fora dos grandes meios de comunicação?                                                                                                                                  
Não faz sentido.
  Não, não há sentido para tanta cegueira, tanta penumbra, tanta escuridão pautada por gente de tanto potencial e de tanta sabedoria.  Se José Saramago, produtor do livro “Um ensaio sobre a cegueira”, visse o que passa ali ficaria surpreso em ver, uma vez mais, sua obra tomar vida fora das bibliotecas e rodas de leituras. Talvez o autor, contente com seu trabalho, ficasse feliz com a expansão e o reconhecimento incontestável de sua teoria literária, sorte de Saramago e o azar nosso, que estaríamos presos a uma realidade onde há a cegueira total da visão. 
                          
  A manifestação, enfim, acaba. O ato que reuniu cerca de 100 mil pessoas, segundo o banco de dados da Folha de São Paulo, resume bem um das minhas maiores preocupações inicias: não é de interesse dos manifestantes ouvir a histórica inteira, entender todo o contexto, ver a situação por diversos pontos de vista. Só há a preocupação em ouvir o que lhes convém, falar meias palavras, meias verdades, meias mentiras e estar satisfeito com o que lhe entregam como modelo de sociedade. Talvez, o melhor remédio para essa cegueira funcional seja perder o medo de enxergar, abrir as janelas de casa e olhar tanto a serra quanto o mar, sem medo de se perder ou achar.



segunda-feira, 4 de maio de 2015

Um brinde ao teu cheiro

Leia e ouça: Without you (So long)

 Não há no mundo perfume melhor que esse. Nem adianta tentar. Teu cheiro, menino, é tua presença ainda que distante, é teu beijo ainda pulsante e uma saudade que eu não posso aguentar.
 É teu cheiro que vestido em mim me provoca delírios nos momentos mais impróprios, são as doces notas do teu suor, misturados ao sabonete que me fazem prender a respiração pra te guardar. Teu cheiro é carinho no ar. Teu cheiro é a cura das noites de insônia quando meu nariz encontra teus cabelos recém-lavados e perfumados de amor.
 Sim, é teu perfume e a vontade, que me invadem ao meio-dia quando de você despedida, tenho que me afastar. Teu cheiro é desejo e mansidão, e foge a qualquer explicação que o melhor dos perfumistas poderia querer dar.
  Teu cheiro é captura de tua alma, doce e amarga, intensa e gostosa que eu tive o prazer de compartilhar. E não é da simples essência colocada num vidrinho que estou falando, se assim fosse, meus problemas estariam resolvidos pois quaisquer moedas juntadas poderiam comprar. Teu cheiro, traduz você em mim, me invade e me possui a pele, os cabelos e até os pensamentos. É feito tatuagem que se fez em mim pra nunca mais te esquecer.
 E eu, alérgica declarada, encontrei em você um antídoto.  Um brinde ao teu perfume capaz de me embriagar mais que qualquer outra dose de álcool, teu cheiro que ultrapassa as barreiras do tempo e do espaço e me faz lembrar você com um simples respirar e um inevitável fechar de olhos que chega, repleto de lembranças.

  Teu cheiro é minha garantia de ter-te comigo ainda que tenha insistido em virar saudade precoce. E digo, piedosa por estar certa que aquela blusa que esqueceste no armário já vem perdendo teu cheiro há algum tempo. A maior saudade que tenho é de poder te respirar.