sexta-feira, 21 de novembro de 2014

Me deixe entrar

Leia e ouça: Locked out of heaven (Piano Version)

- Ei moço, por favor deixe-me entrar. Tá chovendo aqui, uma chuva que me corta e me machuca. Chuva de gente que já desacreditou das tantas coisas bonitas da vida, e vive a desaguar mentiras aos meus ouvidos. Ei moço, me deixe entrar? Eu prometo que limpo a sujeira dos pés, tiro todos os rancores da alma, tranco as expectativas pra fora e entro outra, com um sorriso nos lábios.

  Se me deixar entrar, eu juro que não faço barulho. Guardo a língua dentro da boca e me ponho a te escutar. Deixa-me entrar e liberto esses teus medos, teus desalentos, e tuas histórias mal vividas. Me deixe entrar e  eu te  preparo uma xícara de café quente, te sirvo no bule com afeto pra adoçar.
  Ah moço, deixe-me entrar e eu te faço cafuné, cuido dessas tuas dores que tanto insistem em te atormentar, eu respondo as tuas perguntas eu resolvo as tuas dúvidas, arrumo a cama pra você deitar.
  Me deixe entrar e eu te dou um beijo bom, com gosto de hortelã e sem pressa de acabar. Abre essa porta, me deixa entrar e eu fecho as janelas bem fechadas que é pra chuva lá de fora não te inundar. Deixe-me entrar e eu não farei bagunça, até canto pra te acalmar.
  Menino, quebre esses teus muros que agora quem vai te proteger sou eu, é claro se me deixar entrar.Jogue fora esses cadeados e essas amarras, não precisa mais se trancar. Me deixe entrar, e saberei ir com calma pra por aí ficar.

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Quando o silêncio grita

  Leia e ouça: Home
  Meu bem, você bem sabe que da minha boca saem mais beijos do que palavras. E você também sabe que é no silêncio que eu amo você. Eu amo você, te assistindo na cozinha  cantando enquanto seca a louça do almoço. Amo você na cama se espreguiçando enquanto me beija, amo você brava porque nosso cachorro sujou todo o tapete.
  Eu que sempre procurei o amor nos lugares errados, onde fazia tanto barulho e tanto vazio. Eu que encontrei o amor no tom da sua voz, doce e cansada quando atendo o telefone de madrugada pra te ouvir dizer "estou com saudades". Era tolo, e tinha medo do silêncio. Tinha medo de me aconchegar num canto só, e encontrei um lar no seu peito.
  Aqui eu resolvi ficar e me redimir dos meus erros, deixar o silêncio falar ao invés de tentar procurar as palavras certas pra te dizer, até porque acho que elas nem foram inventadas ainda. Então, chego aqui hoje... Deixo todos os meus pudores do lado de fora da porta, esqueço que existe um mundo além do meu mundo que agora está aqui do meu lado no travesseiro. Tiro a roupa  que me ligava à outros nomes, outras vidas e sou seu.
   Tiro o telefone do gancho, desligo a tv, o rádio, o despertador e faço questão de perder o celular. Essa noite tudo o que eu quero é  sentir você aqui bem pertinho, o cheiro do seu perfume de fruta misturando com o meu cheiro de banho, o gosto do seu beijo de bala entrando por todos os meus poros e finalmente depois de todo o barulho insuportável dessa cidade de loucos, ouvir nosso silêncio gritando até nossos corpos se calarem. 

segunda-feira, 10 de novembro de 2014

Nem lá, nem cá.

 Leia e ouça: Orange sky

   Dias atrás me perguntaram o que é que eu tinha. E eram tantas respostas possíveis, eu tenho em mim sonhos, eu tenho em mim medos, eu tenho vidas, paixões, histórias pra contar, e mais ainda histórias pra viver. Eu tenho em mim uma vontade meio doida de ser diferente a cada dia, eu tenho dúvidas, planos... Mas acabei respondendo a pergunta com um vago "Não é nada, só dor de cabeça."
   Dias atrás me perguntaram o que você tinha, e eu não soube responder. Poderia ser medo, poderia ser entrega, poderia ser vergonha, cansaço, tédio, ou poderia ser só uma dor de cabeça, também. Afinal sempre tem aquele dia que a gente acorda com o pé esquerdo, bate o dedinho na cômoda, o café fica amargo, o trânsito carregado... Poderia ser só mais um dia desses que a gente torce pra acabar logo.
  Mas hoje me perguntaram o que é que a gente tinha. Abri um sorriso amarelo, confesso. Porque o que tem dentro de mim pra você, talvez eu não consiga explicar aos outros. O que a gente tem não é amor, mas poderia ser? O que a gente tem não é paixão. Mas parece ser? É verdade que eu não sou mais só, como era antes de você. Verdade também que você não precisa ser tudo que eu sou quando se trata da gente.
  O que eu não entendo é o quanto esse povo cobra, sabe? Parece que eles precisam ter uma resposta pra tudo, parece que eles não sabem quem são, mas só vivem em paz quando descobrem quem a gente é. O curioso é que existem mil e um tons entre o branco e o preto, e que com uma gotinha de cada um se faz um cinza diferente. E isso ninguém questiona, né?
  Quando o sol se põe e o céu fica laranja, se olharmos bem a gente consegue enxergar o vermelho e o amarelo separados. Com a gente também é assim, somos o laranja e os milhares de tons de cinza. Como isso pode ser tão bonito, né? É que quando a gente entende que entre a loucura da paixão, e a constância do amor existe algo a mais, quando a gente entra nessa linha tênue a gente deixa de lado essa mania de explicação, apenas se despreocupa pra viver se equilibrando e se mantendo até quando o tempo permitir.
  Ao subir nesse barco sem nome, ao abrir as portas pra esse sentimento tão novo e tão bonito, tão gostoso e tão primitivo a gente constrói uma história diferente. Sem cobranças explícitas, sem tanta necessidade de interpretação. Nessas horas a gente vira aquilo que somos, e aquilo que a vida é de verdade. Nem lá nem cá, assumimos essa vontade de permanecer sendo apenas nós dois e mais nada, que assim se faça e se permita até o tempo não precisar mais se definir.